Como cão, idoso vive em quintal de casa

Martini apresenta ferimentos nas pernas e nos braçosA cena parece saída de um campo de concentração nazista, mas o idoso esquelético e sem as roupas de baixo que perambula desorientado por um pequeno quintal cimentado está em Campinas, em uma casa de fundos na Vila Industrial. Vivendo há pelo menos um ano em estado de total abandono, o porteiro aposentado Mário Martini, de 92 anos, passa dias inteiros sem os cuidados necessários para alguém de sua idade.

Sua alimentação, segundo vizinhos, é entregue em um recipiente plástico ou em uma caneca. Suas necessidades são feitas nas roupas, num balde ou em uma caixa de areia, como um animal. O espaço onde dorme é um cômodo improvisado em um estreito corredor externo da casa, sem luz. Ali, um colchonete e um cobertor foram deixados no chão frio e o mau cheiro é insuportável. Nas paredes, marcas que parecem ser de fezes. Na casa vivem a mulher de Martini, Sara, de 74 anos, e o filho desempregado Marcelo, de 38, que alegam que ele se recusa a entrar.

O idoso foi socorrido no início da tarde desta quarta-feira (8) pela Guarda Municipal (GM), que acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para levá-lo para o Pronto-Socorro do Jardim São José. No momento do socorro, seus braços e pernas apresentavam feridas e algumas ainda estavam pintadas com tinta de parede. No PS, o idoso teve seu estado de saúde considerado normal. Ele recebeu apenas um curativo no braço esquerdo e foi liberado.

O filho, por sua vez, foi encaminhado para o 2º Distrito Policial, no São Bernardo, para o registro de uma ocorrência de maus-tratos. Mas, ao final do dia, depois de toda a mobilização em torno do problema, Martini voltou para a casa, sem banho tomado ou roupas limpas. Mais uma vez, foi dormir no chão do corredor da casa. A única providência prática foi a limpeza do local, feita pelo próprio filho ao voltar da delegacia. O espaço continua gelado e desconfortável, mas agora com um odor mais suportável.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Cidadania, Assistência e Inclusão Social informou que foi oferecido ao idoso um espaço para que ele dormisse no abrigo do Serviço de Atendimento ao Migrante, Itinerante e Mendicante (Samim), mas Martini não aceitou. Respeitando o seu desejo de voltar para casa, um guarda municipal fez com que o filho do aposentado lavasse o corredor e colocasse uma lâmpada no local. Há a promessa de que um profissional da Assistência Social vá até a casa hoje para avaliar toda a situação da família.

Vizinhos ouvidos pela reportagem garantiram ter acionado o Disque-Denúncia (3236-3040) no mês passado. Uma pessoa — que eles não souberam dizer a que órgão pertence — esteve no local, mas foi embora sem entrar na casa. “Reclamamos e ninguém havia feito nada até agora. Sempre vi ele assim, trancado no quintal e sem roupa. Uma vez, ele foi para a rua sem as calças”, comentou uma testemunha, que preferiu não se identificar. “Ele faz as suas necessidades nas roupas, seu cheiro é insuportável. Qualquer dia, acho que a gente vai encontrar ele morto”, disse. “A gente fica com dó, né? Nesse frio, ele fica só de cueca no quintal, sentado em uma cadeira e procurando o sol para se esquentar”, lamentou outro vizinho.




Alternativas

O presidente do Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas, Paulo Mariante, presenciou todo o atendimento realizado ontem. Para ele, o problema é bem mais abrangente. A família toda precisa receber atenção.

“É evidente que há uma situação de desrespeito e violação dos direitos de uma pessoa idosa, mas ali parece que as demais pessoas (a mulher e o filho) também vivem numa condição de vulnerabilidade. A esposa dele é idosa e, aparentemente, tem dificuldades em enfrentar a situação, que é de fato terrível. É preciso que o poder público ofereça alternativas”, disse ele.

Família

Sem muitas forças, Mário Martini, 92 anos, se aquece no sol no quintal de casa

“Eu cuido de tudo, faço o que eu posso. O senhor (o repórter) vê que ele é bem tratado, mas é a natureza. O moço (referindo-se ao filho) é bem tratado, mas é magrinho também. Faço bolo e doce todo dia e deixo aqui no corredor para ele comer. Eu vou dormir, mas ele fica bem alimentado”, explicou a dona de casa, garantindo que se preocupa com o marido.

“Ele é quem fala que a casa dele é o corredor. Ele mesmo quis ficar ali. Quando eu dou as roupas para vestir, ele joga tudo no chão, xinga. De um ano para cá é que a cabeça dele piorou, mas se você for ver, ele está bem.” Um exame de glicemia feito pela equipe do Samu mostrou que, realmente, o idoso havia se alimentado pela manhã. Mesmo assim, Martini estava muito fraco, até mesmo para andar, no momento em que foi levado para a ambulância. A todo momento pediu bolachas para comer e foi atendido. Sua condição física mostra que ele está muito abaixo do peso considerado ideal.

Questionada sobre o fato de não pedir ajuda para resolver a situação, a dona de casa afirmou que não sabia com quem conversar sobre o assunto. “Ainda falei para a minha filha que a gente precisa resolver isso, mas o problema aqui é dinheiro”, contou Sara, mencionando sua outra filha, que trabalha como massagista e mora em outro bairro. “Se ele fosse para outro lugar, seria até melhor, mas ele não está bem. Fala palavrão o dia inteiro”, disse. O casal está junto há 45 anos.

A família vive há nove anos na casa alugada na Vila Industrial. A aposentadoria do idoso — um salário mínimo — paga o aluguel do imóvel e a de Sara — do mesmo valor — garante o pagamento das contas. “Todo o meu dinheiro vem aqui para casa. Não gasto com luxo”, garantiu. O filho Marcelo está atualmente desempregado. Durante a visita da GM e da reportagem, ele se manteve calmo, mas apresentava movimentos corporais levemente descontrolados e disse que toma remédios.

Fonte: ig.com





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