Companheiros de uma vida


Sem recorrer a clichês, Isolina Inocêncio da Cruz, 94, passam a limpo sete décadas de conivência, dificuldades e conquistas. Hoje, os pioneiros completam 70 anos de casados. Na festa de bodas de vinho, prevista para as 20h, estarão reunidos os nove filhos, os 19 netos e os 11 bisnetos, além dos genros, das noras e dos amigos, para um culto de gratidão e um jantar.
Ao voltar no tempo, a dupla parece desconhecer o sentimento de amor à primeira vista e o significado de alma gêmea. No início dos anos 1940, não havia o discurso romântico dos livros, das novelas ou dos contos de fadas. “Conheço o Severiano desde que me entendo por gente. A vila era pequena e todo mundo se conhecia. Eu tinha 15 anos, sem estudo e estava velha, precisava casar”, esclarece a matriarca. A avó de Isolina e os pais de Severino encarregam-se da união.
Em 10 de setembro de 1943, depois de 10 meses de namoro, a família fez a cerimônia. Não precisa dizer que namorar naquela época era bem diferente. “um de lá e outro  de cá, só pegando na mão”, relembra. A dona de casa não esquece a beleza do vestido da noiva, feito de seda e florzinhas brilhantes, e alguns detalhes dos preparativos. Durante seis meses, a mãe guardou ovos de galinha em potes de areia, que mantinham a temperatura baixa, com o objetivo de cozinhar os quitutes da festa.
Pioneirismo
Cansada da vida na lavoura, Isolina decidiu que devia sair da Vila Açudina, no município de Santa Maria da Vitória – BA. Ela conta, em uma narrativa simples, como deixou o interior e chegou a uma Brasília em construção. “Nossa história é igual àquela da Bíblia, caminhamos um deserto até aqui. Viemos com a cara e a coragem. Eu não queria filho que nem eu, sem estudar”, justifica. Com os cincos primogênitos e 10 anos de casados, form morar em uma fazenda em Anápolis (GO).
Severiano, com um jeito mais acomodado, sempre seguiu as ordens da esposa. Quando a mulher não gostava de um lugar, não tinha quem a fizesse se acostumar. Após cinco anos em Anápolis, ela pediu que ele comprasse uma casa em Goiânia. Quando soube da construção da capital, o marido decidiu arriscar. Como não sabia o que poderia encontrar, veio antes dela, em 1958. “Brasília não tinha nada, só homem. Não queria minha família aqui. Quando cheguei, fui instalar pisos nos prédios, trabalhei no Palácio da Alvorada e no congresso e morava em um acampamento na Vila Planalto”, conta.
A personalidade forte de dona Isolina  é um dos pilares da união. Entre 1985 e 1963, ela pegava o ônibus em Goiânia, viajava durante cinco horas, descia na Rodoviária para encontrar o marido e voltava no mesmo dia. “Ele trabalhava dia e noite, então eu vinha e ele já me esperava na Rodoviária ou na igrejinha (Rainha da Paz). Almoçávamos quentinha, eu pegava o dinheiro com ele e subia no ônibus de volta. Nem ai ao acampamento”, acrescenta.
Beliscão
A persistência da matriarca começou cedo. No início do casamento, Severiano fugia de casa e ia para os bailes dançar. Aos risos, eles contam que ele colocava as crianças para dormir e saía atrás dele. “Ixe, dancei demais. Quando ela me encontrava, levava cada beliscão”, garante o pioneiro. “Com tudo que fazia barulho, ele se rebolava. Casou e achou que ia levar vida de solteiro, mas sempre voltava por causa da vida boa que tinha comigo”, brinca Isolina.
Em 1963, mais uma vê ela foi atrás dele a dona de casa e os sete filhos chegaram ao distrito Federal quando o governo transferiu os trabalhadores da Vila Planalto para o Gama. Ela não aprovou a região, porque era distante de tudo. Encontrou no  guará um lote para construir um barraco. O local era ótimo porque ficava próximo à parada  de ônibus, onde os filhos poderiam pegar transporte para a escola no Plano Piloto. Ele deixou de ser operário  e tornou-se operário administrativo da Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB). Até hoje, eles moram no mesmo endereço, com uma das filhas. Toda semana, tem culto em família e, uma vez por mês, reúnem-se para um almoço.
Severiano sempre gostou de música, festa e beijo. Isolina faz o tipo mais durona, resiste às investidas no marido beijoqueiro e jura que não quer festejar aos 70 anos. No fundo, ela adora conversar, orgulha-se da Família e faz questão de estar bem para a noite tão esperada. Viano e Jó, como se chamam carinhosamente, tiveram um “felizes para sempre” mais realista – nem por isso menos ideal. “Nós brigávamos, mas ele nunca ficava de mal. Na verdade, só eu brigava, ele não estava nem aí. Não  foi fácil, foi uma luta grande, mas sou realizada, Deus me deu mais que pedi. Todos os filhos são formados e arranjaram emprego”, comemora.


Fonte: Correio Braziliense


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