Delegacias do Idoso e Deficiente em Anápolis trazem nova forma de atendimento




Com uma abordagem diferenciada os servidores do 6º Distrito Policial de Anápolis estão ampliando a aproximação da polícia com a comunidade, mostrando que é possível atuar de maneira ímpar. O local que também é sede da Delegacia Especializada em Atendimento ao Idoso (que em dois anos soma mais de 3 mil atendimentos), ganhou mais uma unidade especializada no dia 21 de novembro: A Delegacia Especializada em Atendimento à Pessoa Portadora de Deficiência, com um estrutura totalmente acessível (com rampas e portas largas). Desse modo, o espaço vem se consolidando como grande diferencial da Polícia Civil de Goiás, desenvolvendo antes de além de algo meramente policial, um trabalho social.

Dados do Censo 2010 revelam que no Brasil há 45.606.048 pessoas com deficiência, sendo que 1,6% são totalmente cegas, 7,6% são totalmente surdas e 1,62% não conseguem se locomover. Em Goiás são 1.393.540 portadores de algum tipo de deficiência. A mesma pesquisa mostra que com o envelhecimento da população a proporção de pessoas idosas com deficiência severa é maior: 29% das mulheres com 65 anos ou mais e 24,8% dos homens na mesma faixa etária. A segunda delegacia do Brasil destinada ao atendimento especializado a pessoas portadoras de deficiência já recebeu em pouco mais de três semanas cerca de 50 denúncias. A média é de quatro denúncias diárias, sendo a maioria em que as vítimas possuem algum tipo de deficiência mental.

Sensibilidade
De acordo com o delegado Manoel Vanderic, os casos envolvendo idosos e pessoas com deficiência necessitam de maior sensibilização dos servidores. Uma vez que a maioria dos agressores são familiares, a punição criminal tem sido a última alternativa no combate a esses delitos. ”À princípio nós simplesmente formalizávamos o procedimento policial: a prisão em flagrante ou o TCO quando o crime de menor potencial ofensivo – geralmente de maus tratos. Mas, nós percebemos que a vítima não encontrava um respaldo público para providenciar a questão da assistência social, a questão médica, o problema de carência material, a ausência de aposentadoria… E nós ficamos profundamente desmotivados e frustrados com essa questão. Nós levávamos o autor do crime ao Judiciário e muita vezes piorava a situação dessa vítima idosa ou deficiente. Então fomos obrigados a mudar a abordagem. Por exemplo, nos crimes de maus tratos – que é nossa maior demanda – é um crime de menor potencial ofensivo. Quando você pega o autor, o parente, e leva ao Poder Judiciário, contra ele na maioria das vezes, é formalizada uma pena de multa. E na maioria das vezes quando é uma pessoa carente é o próprio idoso que vai pagar essa multa com a aposentadoria dele, porque o autor do crime, dessa violência, 90% dos casos são filho ou neto. Então a vítima era punida duas vezes. Isso desenrolava muito mais sofrimento dentro do lar”, expõe.

A maioria das denúncias que chegam até nós são feitas de forma anônima. Ao receber a denúncia, o primeiro passo após ouvir a vítima (aquelas que têm condições de falar), a Polícia Civil tenta localizar seus familiares ou amigos. Após essa localização é realizada uma “mesa redonda” na delegacia, o objetivo é tentar uma conciliação e delimitar as responsabilidades de cada ente familiar no trato do idoso ou portador de deficiência. É definido quem ficará responsável pela comida, banho (quando a vítima não tem condições de fazê-lo sozinha), moradia, entre outros. A partir disto a polícia faz o acompanhamento, monitorando se o acordado está sendo cumprido. Caso os problemas continuem é iniciado o procedimento judicial. “Quando visualizamos a ineficácia dessa intervenção, aí sim nós levamos o idoso para o abrigo. Porque isso é muito traumático, apesar do cuidado que ele tem, é muito traumático esse rompimento do lar, com a família. E muitas vezes a punição do agressor desencadeia muito mais sofrimento na vítima. Ela se sente culpada, desencadeia sofrimento, depressão”, argumenta Vanderic. Além disso, a maioria dos agressores consegue liberdade provisória rapidamente e retornam aos lares mais agressivos.



Social x criminal

Segundo o delegado “o distrito se tornou um centro de assistência social, mais do que de responsabilização criminal”. A ideia de mudar a abordagem veio a partir da avaliação sobre a legislação criminal e consequente responsabilização criminal, que na análise do delegado, são falhas. Isso fazia com que o idoso não colhesse o resultado da atuação estatal em vida. “Então nós tentamos tornar esse atendimento mais célere e oferecemos ajuda a essas vítimas que elas não encontram em outros lugares.” A iniciativa foi abraçada pela comunidade e hoje a delegacia conta, além dos servidores efetivos, com um time de voluntários da área da saúde: médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Hospitais, abrigos e diversos estabelecimentos se tornaram parceiros e após o atendimento policial fornecem atendimento médico e até mesmo cirurgias gratuitamente.

Esse é o caso de um idoso resgatado pela Polícia Civil. Ele estava cego há cinco anos. Após ser abandonado pela família, foi morar sozinho em uma tapera. Quando foi encontrado pelos policiais ele vivia em condições degradantes, estava com bichos de pé e até mesmo carrapatos. Nem mesmo documentos possuía. No atendimento foram providenciados os seus documentos pessoais e conseguida sua aposentadoria por idade. Com a ajuda dos parceiros da Delegacia, ele passou por exames e cirurgia, tendo voltado a enxergar.

Outro exemplo, é Neuzinha. Portadora de deficiência mental, ela vivia estigmatizada. Em momentos de surto andava nua pelas ruas de Anápolis e era agressiva. Os agentes localizaram sua família, conseguiram seu tratamento em um hospital psiquiátrico e sua reinserção no seio familiar. Os casos vão desde a falta de acessibilidade (uma cadeirante quebrou o braço ao cair da cadeira de rodas devido a falta de acessibilidade em um banco), de empresas que não cumprem o percentual de contratação de deficientes exigido por lei, maus tratos e até violência sexual (três idosos com deficiência moravam com a sobrinha e o sobrinho-neto abusava sexualmente as irmãs).

Eulália Sena Alves, 52 anos, foi resgata pela polícia após denúncia de amigos ao perceber que ela estava sobrevivendo a partir de doações de alimentos por vizinhos. ”Eu tava sozinha lá em casa desse jeito [doente] e minhas filhas carregaram meus trem [sic] tudo. Levaram minha máquina de lavar, minha televisão, meu bujão de gás… Eu estava cozinhando à lenha. Levaram até mesmo os documentos pessoais, juntamente com seu cartão de aposentadoria. Sofri demais. Só não sofri mais porque eu tenho muitos amigos, senão eu tinha penado mais”, conta. Ela foi resgatada e levada para o hospital, onde ficou 12 dias internada. Após esse período foi levada para o Abrigo Monte Sinai. Depois de trabalhar 14 anos com reciclagem e criar as três filhas com a ajuda da mãe, ela foi abandonada por toda a família.

Um esquizofrênico que morava nas ruas de Anápolis foi seduzido por uma mulher. Ela se dizia sua namorada. Por causa disso pegou os documentos e cartão da vítima, mas ela não o deixava se aproximar. Ele morava na calçada da casa dela e não podia entrar em nenhuma hipótese na residência. Ao descobrir o caso a Polícia Civil prendeu a mulher, conseguiu localizar o irmão da vítima, além do seu tratamento. Em outra situação, dois idosos que passavam fome se alimentavam dos restos de ossos de um açougue. A polícia divulgou o caso e um empresário de São Paulo se sensibilizou, e desde então ele paga a energia, água e alimentação do casal.

Atendimento diferenciado

São histórias que vão além da atuação da Polícia Civil prevista em lei. No 6º DP o atendimento é diferenciado. Muitas vezes a elaboração de um Boletim de Ocorrência leva horas. Isso porque, essas vítimas são carentes de atenção e nascidas em uma época diferente. Esses idosos e deficientes têm a necessidade de relatar longas histórias até chegar no ponto do crime a ser denunciado. Além disso, os policiais tem que conquistar a sua confiança para que eles relatem o que realmente aconteceu. “Eu acredito que a Delegacia do Idoso e agora a do Deficiente, elas servem para mostrar que o policial não possui apenas aquela imagem ostensiva. Ele não é associado à arma, ele não é associado à truculência e à algema, não que isso seja dispensável. Muitos dos casos nós temos que utilizar a força de polícia para resgatar, pra fazer valer a nossa legislação. Mas que o amor é muito mais poderoso e ele é um instrumento de pacificação social muito mais produtivo do que a arma de fogo. A arma de fogo é extremamente necessária. O policial tem que estar armado, principalmente porque hoje nós vivemos uma realidade em que o criminoso é fortemente armado e perdeu o respeito pela polícia, mas a longo prazo precisamos dessa implantação dessa abordagem diferenciada: da educação, da conscientização, do amor, do respeito pra mudanças”, afirma.

Ele complementa que “isso não é uma divagação, um sonho muito distante. Se a gente for olhar experiências bem sucedidas como Nova York, onde houve uma redução brusca da criminalidade e resolveu o problema que hoje nós estamos vivenciando, tudo começou com questões como essa. Com atitudes e iniciativas como essa. De implantação do amor e da responsabilidade, da polícia comunitária, do abraço, de resgatar o respeito da sociedade para com a polícia. Isso produz efeitos muito mais dinâmicos e palpáveis do que a arma de fogo”.



Delegacia Especializada

A criação da Delegacia Especializada em Atendimento à Pessoa Portadora de Deficiência centraliza as investigações sobre esses casos, mas não impede que a vítima possa procurar outra delegacia mais próxima de sua residência. Além disso, os policiais do 6º DP realizam “atendimento domiciliar” quando necessário, basta entrar em contato via telefone (62) 3328-2733. A maioria das denúncias relacionadas a vítimas deficientes é de pessoas com doenças mentais. A presidente da Apae Anápolis, Suelene Rodrigues Ribeiro, avalia que essa delegacia é de suma importância. ”A criação dessa delegacia foi uma porta. Uma esperança para que isso não venha acontecer. Por que mesmo nós, acho que todas as instituições que trabalham com a pessoa com deficiência, nós não temos o poder investigativo. Nós convivemos com eles, mas o nosso papel não é esse. E existe agora uma delegacia que vai pontuar todas essas situações, essas afrontas que o deficiente tem recebido da sociedade ou até no ceio familiar”, expõe.

Suelene destaca que essa delegacia vem preencher uma lacuna. De acordo com o delegado Manoel, antes da criação da Delegacia do Idoso anualmente eram registrados em Anápolis cerca de 500 casos com esse tipo de vítima. Após essa criação, há dois anos, já são mais de 3 mil atendimentos. Isso mostra, segundo ele, que hoje as vítimas se sentem mais à vontade para denunciar e sabem que tem um serviço especializado para atendê-las. Na época do surgimento da Delegacia do Idoso se acreditava que a unidade receberia 30 denúncias ao mês, mas a realidade se mostrou diferente: são 15 por dia. A expectativa é que o mesmo ocorra com os deficientes. ”Nós queremos que a delegacia seja o grito daquelas pessoas que não têm voz”, conclui o delegado.


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